Ainda teve tempo de gritar ajudem que estou sem pé. Mas o tubarão voltou.
Estava numa encruzilhada, entre a espada e a parede, e não sabia como descalçar aquela bota. Também não sabia porque o haveria de fazer.
Era um coiso assim um bocado coiso, cheio de coisas. Um dia, olha, coiso.
Falhou a recepção ao trapézio. Logo hoje que estava a treinar sem rede. Já não recebo este mês, foi o que pensou na breve queda.
Por pouco não amachucava o pára choques. A sorte foi haver um peão entre ele e o carro da frente.
Todos os dias tinha vontade de lhe tocar.
Todos os dias havia um motivo para não ser a altura, a vontade.
Um dia não sentiu vontade de lhe tocar.
Ela sentiu vontade de ter um motivo para ele ter vontade de lhe tocar.
Sentiu o coração bater forte no peito. Mais uma tentativa falhada.
Como de costume, fechou a porta, esperou que se abrisse uma janela e saiu.
O que poderia ter sido se tivesse dito alguma coisa.
Quando acordava com aquela vontade de ser real o amor sem cara do sonho.
Era uma ânsia interior permanente, que o fazia estar sempre um pouco à frente do momento.
Forrava as paredes com imagens de todos os locais onde já estivera, gostava delas vazias.
Um dia, sem querer, tropeçou nela e quebrou a monotonia.
Todos os dias lhe acontecia a mesma coisa desagradável. Acordava.
Começou a ver a vida andar para trás. Desviou-se para a deixar passar e seguiu caminho.
Tinha perdido todas as esperanças. Estava aflito. Não eram dele e tinha que as devolver.
Fechava os olhos e via o rosto dela. Um dia não os abriu mais.
Olhou para baixo. As pessoas pareciam formigas. Saltou. O mergulho foi perfeito.
Sempre a mesma coisa todas as manhãs. Saía. Fechava a porta. E lá acontecia aquela chatice de se abrir uma janela.
Trocou tudo por ela. Ela trocou-o por nada.
Adorava os dias de sol e calor. Nem saía de casa.
Esperou que a bicicleta virasse à direita. Não virou. Paciência.
Sentia-se completamente na lama. Ia dar uma trabalheira limpar.
Tentou desesperadamente enviar uma mensagem antes que o avião atingisse o solo. Tarde demais. As pessoas já se começavam a levantar e a retirar as bagagens.
Não deixou sair as lágrimas. Inundou-se de tristeza para afogar as mágoas.
Às vezes cheirava a mar na cidade. Às vezes cheirava a ela.
Viu o carro aproximar-se. Ficou imóvel. Estava vermelho para os peões.
Estava na berma da ponte. Queria saltar. Sem coragem. Decidiu. Saltou. Não confiava nisto do bunjee jumping.
Aconteceu tudo de uma forma muito rápida. É a vida.
Viu a vida a passar-lhe diante dos olhos. Optou por não a cumprimentar.